Chamadas: Chamada para o v.15 2024-1- prorrogada

E-scrita – Revista do Curso de Letras da UNIABEU v. 15 2024.1 (Qualis B1)


Dossiê: Nada toca em nada? Atualidade e tradição na poesia contemporânea de língua portuguesa (diálogos)

Orgs: Silvio Cesar dos Santos Alves (UEL/UNICAMP), André Carneiro Ramos (UEMG) e Gabriela Silva (FURG)

No artigo “A cisma da poesia brasileira” (2010), tendo em vista o “esgotamento dos paradigmas de uma época” – representados pela poesia concretista, por um lado, e pela poesia marginal e pela poesia do cotidiano, por outro –, do que, segundo ele, teria resultado uma “ausência de linhas de forças mestras”, Marcos Siscar declara a existência de um “mal-estar teórico”, uma “indecisão quanto à natureza e à situação da poesia [brasileira] contemporânea”, justamente por ter havido um “deslocamento dos critérios pelos quais um poeta [poderia] ser reconhecido como fazendo parte de uma série literária, de sua tradição”, embora, num tal cenário, também esteja aberta ao poeta, ao menos hipoteticamente, a possibilidade de “escrever sem se inserir em um campo cujas questões já [estejam] de antemão colocadas”, e de encontrar, assim, o que o crítico chama de “uma voz própria”, ainda que por meio de “projetos poéticos aparentemente ex-cêntricos”. E quando se refere a uma tal busca pela “voz própria”, Siscar parece estar atento ao alvorecer de perspectivas que questionam a “expectativa do sentido unívoco e preestabelecido” do poema, ao transformá-lo num artefato que “perturba o olhar sobre o real”, justamente por “relacionar-se com a ‘realidade’ não como suposição, mas como problema”, e se configurar como “abertura de outras vias de relação com o mundo” (SISCAR, 2010 passim 41-59).
Em Vidro do mesmo vidro (2007) referindo-se especificamente ao contexto da poesia portuguesa moderna e contemporânea, Rosa Maria Martelo parece ver, numa tal “abertura, um modo de [o poema] se tornar permeável a um real que se tornou problemático e essencialmente entendido como ausência de real”. Trata-se de uma “experiência de ausência” que é “fundadora da Modernidade estética”, já que, segundo essa crítica, “desde Baudelaire pelo menos, [...] o real se apresenta como ausência, ou como uma presença evanescente e sem espessura”. Assim, da poesia que estivesse a par de uma tal condição, seria esperado que agisse “pela evidenciação de sua espessura ou opacidade discursiva”, ou seja, por meio de uma “identificação do poético com a experiência da língua e da textualidade”, em que “o texto põe em evidência as suas características discursivas” e faz “dessas propriedades objeto de referência”, instaurando, dessa forma, uma verdadeira “crise da ideia de representação”. Foi o que aconteceu, de fato, em alguma poesia portuguesa a partir da década de 60 do século passado. Mas, para essa autora, a “exploração mais sistemática [...] de um mecanismo referencial que funciona colocando em evidência determinados traços possuídos pelo texto, traços que este partilha com o mundo que pretende mostrar”, não é uma prática “exclusiva” na poesia portuguesa contemporânea. Ela mesma destaca a existência, mais recentemente, de “poetas que conciliam a evidenciação da textualidade da poesia com a renovação de um lirismo mais figurativo e com o retorno a uma maior linearidade do ponto de vista sintático”, ao fazerem a linguagem suportar a declaração sentimental sem que isso signifique um retrocesso relativamente à sua depuração no sentido da busca por uma língua exclusiva. Ou seja, trata-se de uma ambivalência ou sobreposição de matrizes ou paradigmas da modernidade poética –, uma baudelairiana (na “renovação de um lirismo mais figurativo”), e outra mallarmeana (na “evidenciação da textualidade) –, que, se por um lado dá complexidade ao radicalismo das subversões representadas por esses mesmos paradigmas relativamente à tradição que os precede, por outro mantém como característica principal a virtualidade de um real sempre ausente ou problemático, já que, para Martelo, “a virtualização do real, independente da existência de formas diferentes de lhe fazer referência, estaria sempre presente” (MARTELO, 2007 passim 16-46).
Em O Tejo é um rio controverso,Jorge Fernandes da Silveira relata a existência, no Brasil, de certas “vozes intercomunicantes em português”, poetas que, graças a uma recente “retomada do diálogo entre Brasil e Portugal”, escrevem poesia “com sinais evidentes de leitura de literatura portuguesa” (SILVEIRA, 2008 passim 61-63).Nas obras de pelo menos dois dos autores apresentados por Silveira como exemplos, nomeadamente Sérgio Nazar David e Luis Maffei, ambos formalmente iniciados na literatura portuguesa enquanto disciplina não apenas de estudo, mas também de ensino, é possível encontrar características análogas àquelas apontadas por Rosa Maria Martelo como as mais marcantes de certa tendência da poesia portuguesa mais recente, a saber: o “diálogo com a tradição poética e artística”, muitas vezes associado “a um processo de evocação que se combina com um efeito de realismo e um registo lírico”, do que ressalta “o modo como a tradição poética se cruza, ou se confunde, com a memória individual”, caracterizando uma poesia que “reconduz o textualismo ao registo lírico”, mas que ainda mantêm, como principal fundamento, a consciência de uma irreversível “virtualização do real” (MARTELO, 2007, p. 48-49). O que se quer dizer é que a obra desses autores se apresenta como “uma forma de pensar a poesia com a poesia”, na medida em que “exige de nós uma atenção sempre renovada ao inacabamento do mundo e da própria linguagem” (BUESCU, 2015 passim 29-42), como afirma Helena Carvalhão Buescu, em texto que integra o livro Poesia brasileira contemporânea & tradição (2015).
O que de tudo isso se conclui é que a descoberta de Silveira pode ser útil, senão na cura da doença, ao menos para alívio do sintoma diagnosticado por Marcos Siscar como “um mal-estar teórico que consiste em uma indecisão quanto à natureza e à situação da poesia [brasileira] contemporânea”, que ele define como “algo da ordem de um embaraço”, porque nos mostra que “falta entender alguma coisa” sobre “a poesia brasileira das últimas décadas” (SISCAR, 2010 passim 45-55). Nesse sentido, a presente chamada tem como principal objetivo estimular a reflexão sobre a importância do diálogo entre a poesia brasileira e a poesia portuguesa contemporâneas como possível alternativa aos impasses resultantes daquilo a que Marcos Siscar chama de “a cisma da poesia brasileira”, sobretudo quando esse diálogo se caracteriza pela contaminação da poesia brasileira de agora com a já referida ambivalência destacada por Rosa Maria Martelo como uma das principais características de certa tendência da poesia portuguesa mais recente.
Dessa forma, numa perspectiva mais abrangente, esta chamada tem interesse em artigos originais e inéditos que abordem a poesia contemporânea de língua portuguesa que se caracterize por “relacionar-se com a ‘realidade’ não como suposição, mas como problema”, e que por isso mesmo se configure como “abertura de outras vias de relação com o mundo” (SISCAR, 2010, p. 59), buscando “nessa condição de abertura, um modo de [o poema] se tornar permeável a um real que se tornou problemático e essencialmente entendido como ausência de real” (MARTELO, 2007, p. 37). Numa perspectiva mais específica, esta chamada pretende receber estudos sobre autores e obras das poesiasbrasileira e portuguesa contemporâneas nos quais “a tradição poética se cruza, ou se confunde, com a memória individual”; que sejam capazes de fazer a linguagem suportar a declaração sentimental sem que isso signifique um retrocesso relativamente à sua depuração no sentido da busca por uma língua exclusiva; e nos quais a virtualização do realesteja sempre presente (MARTELO, 2007 passim 46-49).


REFERÊNCIAS
BUESCU, Helena Carvalhão. Poesia e pensamento: Sérgio Nazar David, Paulo Franchetti, Luis Maffei. In: Solange Fiuza Yokozawa (ed.). In: Poesia brasileira contemporânea & tradição. São Paulo: Nankin, 2015, p. 29-42.
MARTELO, Rosa Maria. Tensões e deslocamentos na poesia portuguesa depois de 1961. In: Vidro do mesmo vidro – Tensões e deslocamentos na poesia portuguesa depois de 1961.Porto: Campos das Letras 2007, p. 11-51.
SILVEIRA, Jorge Fernandes. Pra seu governo: o “diálogo com Portugal” hoje segundo quatro novos poetas brasileiros (Leonardo Gandolfi, Luis Maffei, Maurício Matos, Sérgio Nazar David). In: O Tejo é um rio controverso: António José Saraiva contra Luís Vaz de Camões. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008, p. 59-90.
SISCAR, Marcos. A cisma da poesia brasileira. In.: Poesia e crise. Campinas: Editora Unicamp, 2010, p. 41-62.
Data limite para submissão: 15 de janeiro de 2024.

CALL FOR PAPERS
E-scrita – Revista do Curso de Letras da UNIABEU v. 15 2024.1 (Qualis B1)


Dossier: Nothing touches anything? Topicality and tradition in contemporary poetry of Portuguese language (dialogues)

Orgs: Silvio Cesar dos Santos Alves (UEL/UNICAMP), André Carneiro Ramos (UEMG) e Gabriela Silva (FURG)

In the paper “A cisma da poesia brasileira” (2010), in view of the “exhaustion of the paradigms of an era” – represented by concretist poetry, on the one hand, and by marginal poetry and the poetry of everyday life, on the other – of what, according to him, would have resulted in an “absence of lines of master forces”, Marcos Siscar declares the existence of a “theoretical malaise”, an “indecision about the nature and situation of contemporary [Brazilian] poetry”, precisely because there was a “displacement of the criteria by which a poet [could] be recognized as part of a literary series, of his tradition”, although, in such a scenario, it is also open to the poet, at least hypothetically, the possibility of “writing without inserting himself in a field whose questions are already beforehand posed”, and to find, thus, what this critic calls “a self-voice”, even albeit through “poetic projects apparently ex-centric”. And when referring to such a search for “a self-voice”, Siscar seems to be aware of the emergence of perspectives that questionthe “expectation of the univocal and pre-established meaning” of the poem, by transforming it into an artifact that “disturbs the look on the real”, precisely because it “relates to the ‘reality’ not as an assumption, but as a problem”, and because it is configured as an “opening of other ways of relationship with the world” (SISCAR, 2010 passim 41-59).
In Vidro do mesmo vidro (2007), referring specifically to the context of modern and contemporary Portuguese poetry, Rosa Maria Martelo seems to see, in such an “opening, a way for [the poem] to become permeable to a real that has become problematic and essentially understood as the absence of real”. It is an “experience of absence” that is “founder of aesthetic modernity”, since, according, to this criticism, “since Baudelaire at least, [...] the real presents itself as an absence, or as an evanescent presence without thickness”. Thus, it would be expected that poetry conscious of such a condition would “act by highlighting its thickness or discursive opacity”, that is, through an “identification of the poetic with the experience of language and textuality”, in which “the text highlights its discursive characteristics” and makes “these properties an object of reference”, thus establishing a real “crisis of the idea of representation”. This is what happened, in fact, in some Portuguese poetry from the 60s of the last century. But for this author, the “most systematic exploration [...] of a reference mechanism that works by highlighting certain traits possessed by the text, traits that it shares with the world it intends to show”, was not an “exclusive” practice in contemporary Portuguese poetry. She herself highlights the existence, more recently, of “poets who reconcile the evidence of the textuality of poetry with the renewal of a more figurative lyricism and with the return to a greater linearity from the syntactic point of view”, by making language support the sentimental statement without this meaning a setback in relation to its purification in the sense of the search for an exclusive language.That is, it is an ambivalence or overlap of matrices or paradigms of poetic modernity –, a Baudelairian (in the “renewal of a more figurative lyrism”), and another Mallarmean (in the “evidence of textuality”) –, which, if on the one hand gives complexity to the radicalism of the subversions represented by these same paradigms regarding the tradition that precedes them, on the other hand maintains as its main characteristic the virtuality of a real always absent or problematic, since, for Martelo, “the virtualization of the real, regardless of the existence of different ways of referring to it, would always be present” (MARTELO, 2007 passim 16-46).
In O Tejo é um rio controverso (2008), Jorge Fernandes da Silveira reports the existence, in Brazil, of certain “intercommunicating voices in Portuguese”, poets who, thanks to a recent “resumption of dialogue between Brazil and Portugal”, write poetry “with obvious signs of reading Portuguese literature” (SILVEIRA, 2008 passim 61-63). In the works of at least two of the authors presented by Silveira as examples, namely Sérgio Nazar David and Luis Maffei, both formally initiated in Portuguese literature as a discipline not only of study, but also of teaching, it is possible to find characteristics analogous to those pointed out by Rosa Maria Martelo as the most striking of a certain tendency of the most recent Portuguese poetry, namely: the “dialogue with the poetic and artistic tradition”, often associated “with a process of evocation that combines with an effect of realism and a lyrical record”, which emphasizes “the way the poetic tradition intersects, or is confused, with individual memory”, characterizing a poetry that “leads back the textualism to the lyrical register”, but which still maintain, as the main foundation, the awareness of an irreversible “virtualization of the real” (MARTELO, 2007, p. 48-49). What is meant is that the work of these authors presents itself as “a way of thinking poetry with poetry”, to the extent that “requires of us an always renewed attention to the unfinishing of the world and of language itself” (BUESCU, 2015 passim 29-42), as stated Helena Carvalhão Buescu, in a text that integrates the book Poesia brasileira contemporânea & tradição (2015).
What is all this is concluded is that Silveira's discovery can be useful, if not in curing the disease, at least to relieve the symptom diagnosed by Marcos Siscar as “a theoretical malaise that consists of an indecision about the nature and situation of contemporary [Brazilian] poetry”, which he defines as “something of the order of an embarrassment”, because it shows us that “we need to understand something” about “Brazilian poetry of recent decades” (SISCAR, 2010 passim 45-55).In this sense, the main objective of this call is to stimulate reflection on the importance of the dialogue between contemporary Brazilian and Portuguese poetry as a possible alternative to the impasse resulting from what Marcos Siscar called“the schism of Brazilian poetry”, especially when this dialogue is characterized by the contamination of Brazilian poetry of now with the aforementioned ambivalence highlighted by Rosa Maria Martelo as one of the main characteristics of a certain tendencyof the most recent Portuguese poetry.
Thus, in a broader perspective, this call has is interested in original and unpublished papers that address contemporary poetry in Portuguese characterized by the “relationship with 'reality' not as an assumption, but as a problem”, and thatconfigures, therefore, as “opening of other ways of relationship with the world” (SISCAR, 2010, p. 59), seeking “in this condition of openness, a way for [the poem] to become permeable to a real that has become problematic and essentially understood as the absence of real” (MARTELO, 2007, p. 37). In a more specific perspective, this call intends to receive studies on authors and works of contemporary Brazilian and Portuguese poetry in which “the poetic tradition intersects, or is confused, with individual memory”; that they are able to make language support the sentimental statement without it meaning a setback in relation to its purification in the sense of the search by an exclusive language; and in which the virtualization of the real is always present (MARTELO, 2007 passim 46-49).

WORKS CITED
BUESCU, Helena Carvalhão. Poesia e pensamento: Sérgio Nazar David, Paulo Franchetti, Luis Maffei. In: Solange Fiuza Yokozawa (ed.), Poesia brasileira contemporânea &tradição. São Paulo: Nankin, 2015, p. 29-42.
MARTELO, Rosa Maria. Tensões e deslocamentos na poesia portuguesa depois de 1961. Vidro do mesmo vidro – Tensões e deslocamentos na poesia portuguesa depois de 1961. Porto: Campos das Letras 2007.
SILVEIRA, Jorge Fernandes. “Pra seu governo: o ‘diálogo com Portugal’ hoje segundo quatro novos poetas brasileiros (Leonardo Gandolfi, Luis Maffei, Maurício Matos, Sérgio Nazar David)”. In: O Tejo é um rio controverso: António José Saraiva contra Luís Vaz de Camões. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
SISCAR, Marcos. “A cisma da poesia brasileira”. In.:Poesia e crise. Campinas: Editora Unicamp, 2010, p. 41-62.

Deadline: January15th, 2024.